sexta-feira, 13 de julho de 2012

madrugada dos mortos


“Quando não houver mais espaço no inferno, os mortos caminharão sobre a Terra”
O cineasta George A. Romero tem seu nome eternamente associado ao Horror, principalmente pela sua famosa e cultuada série dos mortos, formada por “A Noite dos Mortos-Vivos” (The Night of the Living Dead, 68), filmado em preto e branco, “O Despertar dos Mortos” (Dawn of the Dead, 78), “O Dia dos Mortos” (Day of the Dead, 85), “Terra dos Mortos” (Land of the Dead, 2005), “Diário dos Mortos” (Diary of the Dead, 2007) e “Survival of the Dead” (idem, 2009). Esses filmes estão entre o que há de melhor e mais significativo dentro do sub-gênero “zumbis assassinos e famintos por carne humana“, juntamente com uma série de produções italianas, principalmente aquelas sob a direção de Lucio Fulci(1927/1996), tendo como ápice o ultra violento “Zombie Flesh-Eaters” (79).
Da série de Romero, “A Noite dos Mortos-Vivos” já havia recebido uma ótima refilmagem em 1990 dirigida por Tom Savini, mais conhecido como um dos mais importantes profissionais da área de maquiagem do cinema de horror. Agora é a vez de “O Despertar dos Mortos” receber uma versão mais atual, nas mãos do diretor estreante Zack Snyder, e que chegou aos cinemas brasileiros em 23/04/04 com o nome de “Madrugada dos Mortos” (Dawn of the Dead), aproximadamente um mês depois de estrear nos Estados Unidos.
A história apresenta um grupo de pessoas que repentinamente se encontram isoladas num shopping center chamado “Cross Roads Mall“, emMilwaukee, no Estado americano de Wisconsin, após descobrirem que a humanidade está mergulhada num violento caos com os mortos famintos voltando a caminhar (ou melhor, correr) entre os vivos, à procura de carne humana fresca e macia. Uma praga desconhecida é a responsável por milhões de cadáveres tomarem posse do mundo, pois conforme a tagline principal (que está no topo desse texto), não há mais espaço para eles no inferno. Eles espalham a contaminação numa velocidade devastadora com as pessoas feridas em ataques de zumbis se transformando em novos integrantes de seu macabro exército de selvagens mortos-vivos.
Uma jovem enfermeira, Ana (Sarah Polley), é surpreendida por um ataque de zumbis em sua própria casa, onde a pequena garota Vivian (Hannah Lochner), sua vizinha, invade o quarto de dormir e morde mortalmente o pescoço de seu marido Luis (Justin Louis). Na fuga desesperada de carro, ela é interceptada por um policial, Kenneth (Ving Rhames), que faz o papel de um típico herói de ação de poucas palavras (e que foi feito por Ken Foree no original). Juntos eles conseguem fugir dos mortos-vivos canibais e encontram um pequeno grupo de sobreviventes formado por Michael (Jake Weber) e o casal Andre (Mekhi Phifer) e sua namorada russa Luda (Inna Korobkina), que está grávida com o filho prestes a nascer.
Sem lugar para ir, eles decidem se esconder no interior de um shopping, onde encontram três agentes de segurança igualmente isolados, o arrogante CJ (Michael Kelly) e os novatos Bart (Michael Barry) e Terry (Kevin Zegers). Mais tarde ainda se junta a eles outro grupo de pessoas em fuga num caminhão e que chegam a salvos no shopping, formado por Norma (Jayne Eastwood), Glen (R. D. Reid), Tucker (Boyd Banks), que está ferido na perna, o playboy rico e inconveniente Steve (Ty Burrell), um pai ferido numa das mãos, Frank (Matt Frewer) e sua filha Nicole (Lindy Booth), além da bela Monica (Kim Poirier), todos candidatos a se tornarem comida dos zumbis. O policial Kenneth descobre também um outro sobrevivente isolado num prédio vizinho, Andy (Bruce Bohne), dono de uma loja de armas e exímio atirador, com quem faz amizade e se comunica através de cartazes. Eles tentam sobreviver protegidos da ameaça dos mortos-vivos refugiados no interior do shopping. Porém, uma vez confinados num ambiente de total claustrofobia, sem saída e com o mundo lá fora transformado num inferno, eles precisam aprender a conviver também uns com os outros, numa tarefa igualmente difícil.
Quando a comida e a energia elétrica chegam ao fim, e os mortos começam a encontrar meios de quebrar as barreiras de defesa e invadir o interior do prédio comercial, os sobreviventes são obrigados a saírem tentando colocar em prática um plano de fuga que os levaria a uma marina e de barco até uma ilha no meio do mar. Só que para isso, eles terão que enfrentar a fúria assassina de uma imensa legião de cadáveres carnívoros e agressivos, que se concentram do lado de fora das portas do shopping, numa alusão à lembranças instintivas enquanto eram pessoas normais, fazendo-os se dirigirem a um local muito frequentado em vida. Mas, conforme questiona sabiamente uma das taglines do filme, “como se mata o que já está morto?”
Em primeiro lugar, um fato que deve ser enaltecido certamente é a interessante tagline principal, muito apropriada e de grande impacto promocional, uma das mais sonoras frases de divulgação que eu já vi, e que é a mesma do filme original de 1978. E também o cartaz oficial dessa refilmagem, mostrando parcialmente um zumbi raivoso, no melhor estilo do anti-herói Ash da série “The Evil Dead“, quando possuído pelo demônio.
Segundo, eu confesso que desde o início da divulgação do projeto envolvendo uma refilmagem para “Dawn of the Dead“, eu não fiquei muito entusiasmado, principalmente pela possibilidade da produção de um filme que não respeitasse plenamente os conceitos do original. E assim como “Halloween III: A Noite das Bruxas” (83), que é um bom filme de horror que teve o equívoco de ser associado à franquia “Halloween“, cuja história não tem nada a ver com a saga do psicopataMichael Myers, e que funcionaria muito melhor se fosse um filme independente e com vida própria, esse “Madrugada dos Mortos” serve como mesmo exemplo. Ou seja, é um ótimo filme de horror e entretenimento dentro do sub-gênero zumbi, com boas doses de violência e sangue, numa história interessante com grandes momentos de ação e clima de suspense perturbador, mas que o ideal seria se fosse independente, não possuindo relações com o clássico de George Romero.
Não há problema algum em apresentar elementos novos como o fato dos mortos-vivos correrem com extrema agilidade, conferindo-lhes muito mais poder de destruição (algo similar já havia sido muito bem explorado em “Extermínio”/”28 Days Later“, de Danny Boyle). Mas como essa nova característica dos zumbis é oposta ao tradicional caminhar lento dos mortos da série de Romero, a refilmagem funcionaria melhor se não tivesse relações com o “Dawn of the Dead” original do final dos anos 70. Poderia ser um filme com outro nome, só que claramente inspirado na obra de Romero, evidenciando uma proposta de homenagem ao cineasta e sua trilogia dos mortos, mas tendo também liberdade criativa para apresentar seus conceitos próprios, como os novos zumbis “dinâmicos“, e uma história sem preocupação com críticas sociais (o original de Romero explora de forma bem mais acentuada a desenfreada sociedade de consumo dos tempos atuais, que venera um shopping como um centro comercial indispensável para a vida humana).
Mas como os produtores preferiram por questões comerciais insistir num remake utilizando a marca de sucesso “Dawn of the Dead“, resta a nós, fãs do Horror, assistir e procurar se divertir em mais um filme mostrando a humanidade em estado de total desordem, lutando pela sobrevivência num mundo em ruínas, dominado por mortos devoradores de carne humana. A história não perde tempo em tentar explicar a razão da origem dos zumbis, e parte logo para a apresentação de um caos urbano que espalha a loucura na humanidade. E não faltam cenas de grande impacto de violência e sangue, com muitas cabeças de mortos putrefatos explodidas à bala, mordidas que rasgam a carne, e até a presença de um inusitado bebê zumbi.
E entre os vários destaques, vale registrar duas excelentes tomadas aéreas muito bem produzidas, uma mostrando um incrível acidente de trânsito envolvendo dois carros que trafegavam em alta velocidade em fuga desesperada e que se chocam violentamente num cruzamento, e outra destacando uma imensa legião de zumbis invadindo uma estaleiro de barcos atrás da carne de alguns sobreviventes. Entretanto, o maior destaque mesmo foi o desfecho, numa iniciativa extremamente elogiosa do diretor Zack Snyder, filmando um final ousado e depressivo, típico de um filme digno do mais puro horror.
Porém, uma das coisas mais desagradáveis nesse novo “Dawn of the Dead” é algo que os produtores americanos não tem a menor culpa: o nome escolhido para distribuição no Brasil. Os responsáveis por nomear o filme por aqui demonstraram total falta de conhecimento em escolher o ridículo “Madrugada dos Mortos“. Eles não são obrigados a conhecerem o cinema de horror, mas deveriam, por respeito aos fãs verdadeiros do gênero, consultar especialistas no assunto ou fazerem uma simples pesquisa que resultaria no óbvio nome “O Despertar dos Mortos“, que foi o nome recebido por aqui do “Dawn of the Dead” original. Uma tarefa tão simples, mas que não é efetuada com competência no Brasil. Aliás, o filme de Romero teve três nomes originais alternativos: “Dawn of the Dead“, “Zombie: Dawn of the Dead” e “Dawn of the Living Dead“, e é por isso que também é conhecido no Brasil pelas respectivas traduções literais “O Despertar dos Mortos” (o mais utilizado), “Zombie: O Despertar dos Mortos“, e “O Despertar dos Mortos-Vivos“.
Curiosamente, enquanto “Madrugada dos Mortos“, um violento filme de horror, estreava nos cinemas brasileiros em 23/04, a banda norueguesa de metal extremo “Dimmu Borgir“, com sua avassaladora porrada sonora, fazia sua primeira visita ao Brasil com shows por três dias, e tocando em São Paulo/SP no Sábado dia 24/04. É o Horror e o Metal em doses maciças de obscuridade…
Seguem outras pequenas curiosidades. A maioria das filmagens do novo “Dawn of the Dead” foram feitas num shopping center chamado “Thornhill Square“, no Canadá. Os atores Ken ForeeScott H. Reiniger eTom Savini estiveram presentes no filme original de 1978, só que em papéis diferentes que agora na refilmagem, onde todos fizeram pequenas pontas como homenagem, através de depoimentos pela TV, falando sobre o caos instaurado na Terra. Foree é um padre evangélico, Reiniger é um militar e Savini é um xerife. O próprio diretor Zack Snyder também aparece rapidamente em seu filme de forma não creditada, como um oficial de comando na Casa Branca. O cantor Johnny Cash também está presente com sua música “The Man Comes Around“, durante os créditos de abertura do filme. A censura nos cinemas brasileiros é de 18 anos, enfatizando a intensidade de violência da história. Outra ideia genial e que vale a pena permanecer na sala de exibição ao término do filme, é que nos créditos finais juntamente com os letreiros, aparecem imagens adicionais meio distorcidas, com informações reveladoras sobre o destino dos sobreviventes.
“36 bilhões de pessoas morreram desde o reinado da humanidade. Para o novo amanhecer, haverá uma reunião…”

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